Livros Comentados
Título: I Ching – O Livro das Mutações
Autor: Fu Hsi, Rei Wên, Duque de Chou e Confúcio
Ano: Cerca de 3.000 a.C.
Por que ler: livro mais antigo do mundo, ensina valores como paciência e necessidade de estar com o coração aberto para receber a verdade.
Estamos em meados do século 29 a.C., quase 3 mil anos antes de Cristo – ou 5 mil anos atrás. Certo dia, caminhando ás margens do Rio Amarelo, no norte da China, Fu Hsi deu de cara com uma criatura intrigante. Emergido das turbulentas águas douradas do rio e repousando em uma das margens, ela tinha corpo de dragão e cabeça de cavalo. O que mais chamou a atenção do primeiro imperador chinês, no entanto, não foi a aparência exótica da criatura, mas os 8 símbolos geométricos estampados em suas costas. Cada imagem era composta por séries de 3 linhas – algumas inteiras, outras partidas.
Ao olhar o esquisito bicho, Hsi recebeu uma iluminação divina: aqueles signos representavam nada menos do que a explicação de todos os segredos do Universo. O soberano decorou a sequência de símbolos e sacramentou: quem estudar os trigramas (como classificou os rabiscos) ganhará o conhecimento sobre qualquer coisa. Nascia assim o mais antigo livro da humanidade.
A origem da obra está ligada ao legado de Fu Hsi. Reza a lenda que o imperador (também conhecido por Fu Xi) teria inventado a nação chinesa, a escrita, a pesca, a costura e até o casamento. Pode ser um exagero dos biógrafos, mas uma coisa é clara: ele não foi o único autor do livro. Assim como aconteceu na Bíblia, a obra passou por diversas mãos até chegar a sua versão final. Fu Hsi, o autor pioneiro, combinou os trigramas, criando 64 símbolos compostos por 6 linhas – os hexagramas, também chamados de Kua. Até então o livro tinha apenas imagens, além de ser chamado de “I” – ideograma que designa o sentido da mutação.
Cabia aos hexagramas organizar a busca pelo autoconhecimento do leitor, uma investicação que turbina as vendas do setor de autoajuda até hoje. Para fazer a leitura das imagens, os iniciados na obra (desde plebeus até soldados e imperadores) seguiam um complicado ritual (algo como uma iniciação aos Búzios Africanos, só que de forma chinesa). Primeiro, reuniam 50 caules de milefólio (uma pequena e tradicional for chinesa). Depois, pensavam numa pergunta, chacoalhavam os caules e os lançavam sobre uma mesa. A posição das varetas originaria uma sequência numérica que apontava para um dos 64 hexagramas. Aí estava a resposta. Aliás, não apenas os búzios são similares, as pitonisas da Grécia antiga e Xamãs possuem rituais semelhantes.
Em sua forma original, o I não passava de um amontoado de imagens – passíveis de diferentes tipos de interpretação. A organização da visão de Fu Hsi em forma de livro só foi acontecer durante a dinastia Chou, em 1150 a.C., ou seja, dois milênios depois. Os 64 símbolos ganharam comentários escritos pelo rei Wên ao longo dos sete anos em que esteve preso numa masmorra por tentar dar um golpe na monarquia (após saiu do cárcere fez uma nova tentativa e conseguiu o trono). São conselhos curtinhos reunidos no capítulo Julgamento. O texto do hexagrama 4, por exemplo, diz: “se você é sincero terá luz e sucesso”. Bem no conceito “pílulas de sabedoria” e outros livros que encontramos nas livrarias e atualmente até em postagens motivacionais no facebook.
Após a morte do rei-autor, seu filho, o duque de Chou, deu andamento ao trabalho do pai e escreveu o capítulo “Linhas”, a parte mais incompreensível do livro – tem um “quê” meio psicodélico. Tente entender o hexagrama 38, por exemplo: “A raposa espia: ela vê porcos enlameados se aproximando e uma carroça cheia de fantasmas”. Porém, mesmo essas mensagens complexas não diminuem o conjunto da obra. Pelo contrário. Com os acréscimos do rei Wên e do duque de Chou, o “I” teve vida longa, chegando até mesmo a orientar diretrizes de governo – como se fosse uma espécie de constituição.
Muito tempo depois, por volta de 500 a.C., um homem conhecido como Kung Fu Tsé – mais conhecido como Confúcio – encantou-se e resolveu complementar a obra. Além de redigir o capítulo “Dez Asas”, o maior sábado chinês acrescentou a expressão “Ching”, ao título que era apenas “I”. A palavra Ching poderia ser traduzida como “clássico”. Agora sim, o livro das mutações tinha início, meio e fim (além de um nome completo). Mas sua história ainda não acaba por aí. No século 20 um famoso psicanalista encontrou no I Ching uma infinidade de pontos enigmáticos e acabou considerando-o um conjunto de “fórmulas mágicas” conduzidas por “agentes espirituais”. Esses poderes constituem como que a alma viva do livro, que é, portanto, uma espécie de ser vivo, e a tradição supõe que se podem fazer perguntas ao I Ching e esperar receber respostas inteligentes. Quem disse tudo isso? Nada mais, nada menos que Carl Gustav Jung, o fundador da psicologia analítica. Alguém a quem o yin e yang – o claro e o escuro que simbolizam a dualidade da sabedoria chinesa – encantaram durante décadas a fio. Entre leituras e milefólios jogadas a mesa, Jung foi apenas UM entre tantos que não apenas respeitaram o I Ching como o transformara em base para o pensamento moderno.
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Namastê. 😀